Texto: Débora Cristina B. M. de O. Santos
Na Biologia, quando falamos em sexo estamos nos referindo à reprodução sexuada. Em vertebrados a reprodução sexuada é a forma padrão de reprodução, mas como diz o ditado: toda regra tem exceção. Existem diferentes formas de reprodução assexuada encontradas em vertebrados, entre elas estão a ginogênese e a partenogênese.
Na ginogênese a presença do espermatozoide é necessária para estimular o desenvolvimento do ovócito, porém, o espermatozoide não contribui para o genoma do embrião. Já na partenogênese não é necessária nenhuma contribuição dos machos. Nessas duas formas de reprodução assexuada os gametas gerados após meiose são diploides (possuem dois conjuntos cromossômicos) e se desenvolvem para formar novos indivíduos. A partenogênese, que vamos tratar neste texto, pode ser obrigatória (também chamada verdadeira) ou facultativa.
Figura 1 – Aspidoscelis neomexicana (centro), híbrido de uma fêmea de A. tigris (acima) e um macho A. inornata (abaixo). Autoria: William B. Neaves. Extraído e adaptado de Neaves e Baumann (2011).
A partenogênese obrigatória em geral é fruto da hibridização de espécies próximas e os filhotes gerados são basicamente clones da mãe, exceto por possíveis mutações que venham a ocorrer. Neste tipo de reprodução, todos os indivíduos da população são fêmeas e a espécie se reproduz exclusivamente por partenogênese. Em vertebrados foi registrada apenas em lagartos e serpentes.
Já a partenogênese facultativa ocorre em espécies que se reproduzem normalmente de forma sexuada, mas têm a capacidade de se reproduzir por partenogênese eventualmente. Esse modo de reprodução pode gerar filhotes geneticamente diferentes da mãe, inclusive machos. A partenogênese facultativa já foi registrada em peixes, répteis e aves, dando origem a filhotes viáveis. Em mamíferos a partenogênese acarreta em aborto. Os registros desse modo de partenogênese são, em sua maioria, para indivíduos em cativeiro.
Alguns exemplos de espécies partenogenéticas: o lagartinho de Linhares (Ameivula nativo), que ocorre no Brasil, é partenogenético obrigatório com evidências de que seja fruto da hibridização das espécies A. ocellifera e Glaucomastix abaetensis. O famoso dragão-de-Komodo (Varanus komodoensis), o maior lagarto da Terra, pode se reproduzir por partenogênese facultativa. Ambos estão classificados como ameaçados de extinção (EN).
No caso das serpentes, apenas uma espécie, a cobra-cega-de-Brahminy (Indotyphlops braminus), uma espécie exótica no continente americano, é conhecida por realizar a partenogênese obrigatória. As demais espécies de serpentes que realizam partenogênese o fazem de forma facultativa.
Figura 2 – A) Dragão-de-Komodo. Autoria: Thomas Fuhrmann (cortada), CC BY-NC 4.0. B) Cobra-cega-de-Brahminy. Autoria: Paolo Mazzei (cortada), CC BY-NC 4.0. C) Lagartinho de Linhares, região de Jacaraípe, Serra. Autoria: Débora Cristina Medeiros.
A reprodução assexuada, como a partenogênese, tem como vantagem a curto prazo o crescimento populacional acelerado, pois os indivíduos não precisam de parceiros para a cópula e estão sempre aptos a reproduzir. Entretanto, esta estratégia reprodutiva possui suas desvantagens, não à toa a maioria das espécies partenogenéticas obrigatórias surgiram recentemente e podem extinguir-se cedo. A não ocorrência de sexo leva a uma redução da variabilidade genética e acúmulo de mutações deletérias. Tais fatores levam à redução do fitness (aptidão) da espécie, ou seja, menor capacidade de deixar descendentes férteis.
Apesar da sua tendência à extinção, não podemos ignorar a importância destas espécies e devemos sim, investir na sua conservação. Estes organismos são importantes como modelo em estudos evolutivos e ecológicos sobre o sexo e suas vantagens, a relação entre fenótipo e genótipo, influência do ambiente no desenvolvimento e da variação individual para a viabilidade das populações.
Referências
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LASKOWSKI, K. L. et al. Naturally clonal vertebrates are an untapped resource in ecology and evolution research.Nature Ecology and Evolution, v. 3, p. 161-169. 2019.
NEAVES, W. B. ; BAUMANN, P. Unisexual reproduction among vertebrates. Trends in Genetics, v. 27, n. 3, p. 81-88. 2011.
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