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ZOOLOGIA CULTURAL: UM OLHAR DIFERENTE PARA AS SERPENTES

Texto: Katarine N. Norbertino


Segundo Da-Silva e Coelho (2016), o estudo da Zoologia Cultural compreende o modo como os animais (ou os elementos que façam alusão ao grupo) são representados pelas culturas. No nosso cotidiano, frequentemente, as cobras aparecem incutidas de sentido pejorativo, os quais a relacionam com uma maldade inata, figurada por mitos, crendices ou casos contados por terceiros.


Mas será que sempre foi assim em todas as sociedades?


Para os povos mais antigos (tais quais babilônios, gregos, hindus, dentre outros) a serpente possui significado intrinsecamente relacionado à cura e ao rejuvenescimento. Isso ocorre em virtude da troca de escamas que esse animal faz, cuja habilidade de renovação foi assimilada pelas culturas nos âmbitos religiosos, folclóricos, etc. Entretanto, esse significado possui variadas formas (de acordo à cultura na qual estão inseridas) e, também, podem ter sentidos complementares para além da cura.


Figura 1. Ilustrações de Higeia (a), Ouroboros (b), Renenutet (c) e Quetzalcoatl (d). Fonte: Emili Lima.


Na Grécia Antiga, Hígia ou Higeia, representada pela personificação de uma mulher segurando uma serpente (Figura 1A), trata-se de uma deusa que inicialmente se restringia à deusa da “promoção de saúde” ou mesmo da “prevenção contra doenças”. No entanto, assim que o seu pai Asclépio morre, a mesma passa a ser tida como a deusa da saúde. Seu nome deu origem à palavra higiene.


Para os egípcios, Ouroboros (Figura 1B) é a representação de uma serpente que forma um círculo, representando assim a ciclicidade, o renascimento e a continuidade. É também associada à fecundidade, por gerar e devorar (ao mesmo tempo).


Ainda na cultura egípcia, Renenutet, cujo nome significa “a que nutre” é também chamada de senhora dos alimentos (deidade da fartura), da amamentação e do cuidado das crianças. Uma das imagens mais frequentes nas tumbas (Figura 1C).


Por sua vez, os antigos povos mesoamericanos (maias e olmecas), cultuavam Quetzalcoatl (Figura 1D), uma entidade híbrida entre serpente e pássaros (ou uma serpente plumosa), retratando, assim, os aspectos espirituais do céu e da terra que, nesse caso, se configuram como forças opostas.


Figura 2. Ilustrações de Oxumaré (a), Nüwa (b), Boitatá (c) e alguns personagens cinematográficos (d). Fonte: Emili Lima.


Nas religiões de matriz africana, tais quais Candomblé e Umbanda, Oxumaré é a entidade símbolo da permanência, da continuidade e da mobilidade, sendo responsável por devolver a água que cai na terra para as nuvens. Caracterizado por um homem cuja porção inferior é a cauda de uma cobra (Figura 2A).


Outra representação de serpente trata-se de Nüwa: a mãe da humanidade, concebida como detentora de amor e criação infinita, oriunda das lendas do Oriente (Figura 2B).


No folclore brasileiro, temos o Boitatá (Figura 2C) que, no tupi, significa cobra gigante em chamas, e nas lendas indígenas figura como protetora das matas.


E não para por aí! Ainda nos dias atuais as serpentes ganham espaço no imaginário popular e permanecem ocupando a cena com personagens de filmes, desenhos, HQs. Isso evidencia o quanto esse animal, muitas vezes injustiçado pelo senso comum, além de ter importância para a manutenção dos ecossistemas também nos é importante por enriquecer nossas concepções sobre o mundo e nossas relações com o mesmo.



Referências


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DA-SILVA, E. R.; COELHO, L. B. N. Zoologia Cultural, com ênfase na presença de personagens inspirados em artrópodes na cultura pop. Anais do III Simpósio de Entomologia do Rio de Janeiro, p. 24-34, 2016.


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