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Ophiodes, a cobra-de-vidro

Texto: Gabriel Falquetto de Oliveira.


Muitos de nós já ouvimos o termo “cobra-vidro", "cobra-de-vidro'' ou “quebra-quebra”, mas será que esse animal é realmente uma cobra? Ficou em dúvida? Vamos à teoria!


Figura 1: Ophiodes striatus.

Autoria: Maria Olivia Dourado Sanna (Instagram - @lili_sanna).


Origem do termo


O termo “cobra-vidro” é utilizado no conhecimento popular para se designar a um animal em formato de cobra (serpentiforme), que, quando em situação de perigo, se despedaça feito vidro.


Quem é que nunca ouviu esse mito, não é mesmo? Mas vamos lá, até que faz sentido.


Desmistificando


Na verdade, a cobra-vidro se trata de um lagarto, visto que possui pálpebras e um par de patas vestigiais. Isso mesmo, apesar de pequenas, o animal possui um vestígio de patas na parte traseira do corpo. Essas patas são resquícios que esses animais sofreram evolução em sua morfologia.


No Brasil, esses lagartos pertencem ao gênero Ophiodes, possuindo 5 espécies descritas, sendo caracterizado pela ausência de membros anteriores externos, patas traseiras reduzidas a retalhos, e a famosa cauda autotômica (falaremos disso mais a frente), que pode chegar a ter o dobro do tamanho do resto do corpo. Esses lagartos têm hábitos fossoriais, ou seja, durante grande parte da sua vida eles ficam enterrados na serrapilheira (camada formada pelo acúmulo de matéria orgânica) ou túneis escavados na terra. Sua dieta é baseada em invertebrados, predando larvas, aranhas e gafanhotos.


Agora que você já sabe a verdadeira identidade deste animal, vamos falar um pouco mais sobre esse mecanismo de defesa:


Autotomia


O fato da “cobra-vidro” se quebrar, na verdade se trata de autotomia, ou auto amputação, mecanismo comportamental comum em vários grupos de animais, sendo mais presente nos lagartos. Após a liberação o animal consegue regenerar o membro. Então se um lagarto perder um braço ele também irá regenerá-lo? A resposta é não! Entre os vertebrados, a cauda é o único apêndice corpóreo capaz de ser regenerado.


Figura 2: Ophiodes lucie sp. Barra branca de 50mm.

Autoria: Pier Cacciali & Norman J. Scott.


Você deve estar se perguntando se soltar um membro do corpo durante uma fuga não é um bom método para escapar, não é mesmo? Mas sim, além da autotomia, a cauda se agita intensamente, o que leva o predador a achar que realmente capturou sua tão sonhada refeição! (“Então ser um Ophiodes deve ser muito fácil! Caso veja um predador é só se soltar, correr e regenerar a cauda que perdeu, né?”) A resposta é não!


Trocar a cauda pela vida parece uma troca bem justa, e de fato é, já que o animal permanece vivo. Porém, essa troca tem custos para o indivíduo. Além de a regeneração ter um custo energético para o animal, a cauda dos lagartos funciona como um dispositivo de equilíbrio, contrabalanceando seu peso e facilitando seu deslocamento. Além disso, essa região é um ótimo armazenador de gordura, portanto, a perda dessa reserva energética pela autotomia pode prejudicar/atrasar o seu desenvolvimento. Imagina que o lagarto pode utilizar a reserva de energia da sua cauda caso não consiga predar outros animais. Nesse caso, se não tiver a cauda, não terá a reserva "extra" de energia (gordura). Como se não bastasse, a cauda também é tida como um atributo de status, podendo indicar uma certa “dominância” para o macho na busca por uma fêmea, sendo uma característica de dominância territorial.


Pra finalizar


Todos os animais têm o direito à vida. Todos eles têm sua importância ecológica. As cobras-de-vidro são mortas sem nenhuma razão, apenas por parecerem uma serpente. Mesmo as serpentes não devem ser mortas. Vamos respeitar a natureza e viver em harmonia com o meio ambiente. Cobras não são monstros. Compartilhe com seus amigos sobre a cobra-de-vidro, a cobra que não é cobra, para que mais pessoas conheçam esse lindo animal.



REFERÊNCIAS


Barros, E.H. & Teixeira, R.L. 2007. Diet and fecundity of the glass-lizard, Ophiodes striatus (Sauria, Anguidae) from the Atlantic Forest in southeastern Brazil. Boletim do Museo Biologico Mello Leitão, 22, 11–23.


Borges˗Martins, M. & Di-Bernardo, M. 1999. Revisão taxonômica e sistemática filogenética do gênero Ophiodes Wagler, 1828 (Sauria, Anguidae, Diploglossinae). Resúmenes del V Congreso Latinoamericano de Herpetología, Montevideo. Publicación Extra del Museo Nacional de Historia Natural de Montevideo, 50, 39.


NUROF-UFC, Lagartos com duas caudas: causas e consequências “'Vão-se os anéis, ficam-se os dedos': uma alusão à autotomia caudal nos lagartos”. Blog do NUROF-UFC, https://blogdonurof.wordpress.com/2012/06/30/vao-se-os-aneis-ficam-se-os-dedos-uma-alusao-a- autotomia-caudal-nos-lagartos/. Acesso em: 07 de agosto de 2021.


POUGH, H. F.; JANIS, C. M.; HEISER, J. B. 2008. A vida dos vertebrados. 4ª ed. São Paulo: Atheneu, 684p.



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