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MAS A GENTE NÃO VEIO DO MACACO?

Atualizado: 18 de mai. de 2020


Texto: Bruno Corrêa


A história do pensamento evolutivo.


O pensamento evolutivo estabelece uma base filosófica comum para as diferentes subáreas das ciências biológicas, como a biogeografia, a embriologia, a ecologia, a genética, a sistemática, dentre muitas outras. Mas a forma como nós enxergamos hoje a história das espécies não era a mesma há alguns séculos. O que mudou ao longo dos anos?


No ocidente, os primeiros pensadores que começaram a discutir sobre possíveis mudanças ocorrendo ao longo do tempo nos animais e nas plantas foram Platão e Aristóteles (Fig. 1). Naquele período, a grande busca dos filósofos estava na episteme, ou conhecimento verdadeiro. Com isso, a “teoria das ideias” foi formulada, que diz que os nossos sentidos nos enganam, mostrando reflexos imperfeitos dos seres e dos objetos da Terra e, além disso, haveria um “organismo ideal” para cada espécie. Surge assim a premissa básica do fixismo.


Figura 1: Filósofos e pesquisadores. A) Platão; B) Aristóteles; C) Jean Lamarck; D) Charles Darwin. Fonte: Wikipédia.


A ideia de que temos uma forma única, perfeita e imutável de um ser pode parecer boba nos dias de hoje, mas esse pensamento se manteve por centenas de anos. O próprio Carls Linnaeus comungava com essa linha de raciocínio e, baseado nela, desenvolveu o sistema binomial da taxonomia no século XVIII. Esse conceito ainda foi utilizado por mais de um século, mas diversos naturalistas, já naquela época, sugeriam a possibilidade dos organismos se transformarem ao longo do tempo e, com os trabalhos de Lamarck, uma nova corrente de pensamento de como a vida se modifica ganha força.


Jean-Baptiste de Lamarck (Fig. 1) foi um naturalista francês que propôs uma interpretação sobre como as espécies poderiam mudar ao longo do tempo, a teoria da “transmutação das espécies” ou “transformismo”. Ele apresentava duas premissas principais, a da abiogênese na origem das espécies (apesar de suas ideias não serem criacionistas, essa é uma das bases da teoria criacionista da vida), e que essas espécies iriam se modificando morfologicamente ao longo do tempo pelo sistema de uso e desuso, sendo o ambiente um fator secundário.


Escola Evolutiva

Charles Darwin (Fig. 1) formulou a teoria da seleção natural, apresentada em conjunto com Alfred Russel Wallace em 1858 e, posteriormente, desenvolvida e popularizada em sua obra “A Origem das Espécies”, de 1872. Darwin e Wallace entendem que há uma origem comum entre as espécies e propõem o mecanismo de sobrevivência e reprodução diferencial, com base em suas diferentes características, como o motor da evolução. As principais ideias propostas por eles foram a existência de um ancestral em comum entre os organismos e a noção de que o ambiente possuía um papel importante na seleção de características que favorecessem as espécies. Entretanto, eles não tinham conhecimento sobre a genética e, portanto, não podiam afirmar como ocorria o processo de transmissão das modificações ao longo do tempo.


Taxonomia Evolutiva ou Gradismo

Essa escola sistemática teve grande influência da Síntese Evolutiva Moderna, a fusão dos estudos de Darwin com os estudos de genética de populações, após a redescoberta dos trabalhos de Gregor Mendel, pai da genética. A partir dos anos 1940 se iniciou a discussão sobre os processos evolutivos que iriam pressionar as espécies ao longo de sua história natural.


Alguns critérios foram estipulados para a junção de espécies aparentadas, apesar do crescente desenvolvimento da genética, grande parte dos grupos gerados foram baseados em características morfológicas ou comportamentais (como ocupar o ambiente terrestre, por exemplo). Esses grupos eram organizados em “grados” (Gradus = passo) que são estruturas hierárquicas, ou seja, se um ser possui estruturas diferenciadas que favorece a sua manutenção em outros ambientes, ele está em graus acima dos outros.


Embora eles utilizassem a teoria evolutiva como base, os grupos gerados eram falhos, pois eram unidos por caráteres considerados “chave” pelos especialistas, sendo subjetivos à organização do próprio taxonomista. Com isso, não houve uma padronização no método de classificação e os arranjos dependiam de como o pesquisador analisava o grau de parentesco entre os organismos em questão.


Fenética ou Taxonomia Numérica

Já nos anos 60 surge a taxonomia numérica, que teve por objetivo reunir grupos por similaridade geral utilizando métodos matemáticos. Para os principais pesquisadores da época nós seriamos incapazes de compreender verdadeiramente a evolução e, desta forma, não poderíamos fazer classificações seguindo padrões evolutivos. Seus métodos matemáticos eram claros e foram os primórdios das filogenias baseadas em matrizes de carácteres, onde a distância entre os grupos definia a relação de parentesco entre as espécies.


A grande problemática na teoria era de que a semelhança de caráteres não é sinônimo de parentesco, pois existem muitas convergências evolutivas. Mas o que são essas convergências? De forma simples, são características similares que surgiram independentemente em duas ou mais espécies diferentes, ou seja, que não são herança de um ancestral em comum. Um exemplo claro disso são as asas, que apesar de terem a mesma função, ou seja, o voo, possuem várias origens independentes em grupos que são muito distantes filogeneticamente, como os insetos, aves e mamíferos.


Sistemática Filogenética ou Cladística

Esse sistema foi criado nos anos 50 pelo pesquisador alemão Willi Hennig, mas por conta da II Guerra Mundial, seu trabalho só foi ser conhecido fora da Alemanha 10 anos depois. Ela tem a evolução como premissa e se utiliza de muitas outras áreas para agrupar os organismos, gerando assim hipóteses testáveis de grupos naturais que estão relacionados em algum nível de parentesco.


Um dos conceitos mais importantes da sistemática filogenética é o monofiletismo (mónos = único; phûlon= raça, tribo) dos seus grupos, mas o que isso quer dizer? Para a cladística, um clado só existe quando dentro dele está o ancestral em comum e TODOS os seus descentes, ou seja, um grupo natural, que compartilha os processos evolutivos a partir de um só ancestral (Fig. 2). Caso isso não ocorra, chamamos de grupos artificiais, q eu podem ser parafiléticos ou polifiléticos, e para a sistemática não devemos considerar esses grupos como verdadeiros ou naturais.


Figura 2: Exemplo de grupo monofilético, representado pelo clado Reptilia. Fonte: Santos, 2008.


Ok, mas como podemos testar se aquela espécie faz parte daquele ou desse clado?


Os sistematas usam diferentes características (chamadas na cladística de caracteres) que um organismo apresenta, que podem ser expressas de diversas formas, como estruturas morfológicas, partes do genoma, aspectos ecológicos ou fisiológicos, dentre outros. Durante a história evolutiva das espécies esses caracteres podem se modificar em mais de uma forma, para isso chamamos cada variação de um “estado de caráter”. Para compararmos esses atributos entre os organismos é necessário que eles sejam homólogos, ou seja, que possuam uma mesma origem evolutiva e assim, possam ser comparados entre si.


Para relacionarmos essas características entre os organismos, são utilizadas matrizes de dados, uma espécie de tabela onde são cruzadas as informações de cada estado de caráter observado em cada uma das espécies que serão comparadas entre si. As matrizes de dados podem compreender dezenas e centenas de espécies, cada uma delas com centenas ou mesmo milhares de caracteres sendo analisados. Dessa forma, os cientistas precisam do auxílio de uma série de algoritmos e análises computacionais para gerar as hipóteses de relacionamento entre as espécies estudadas. Como resultado, serão geradas árvores filogenéticas onde podem ser mapeadas as mudanças de cada estado de caráter, quando podemos então definir quais são plesiomorfias (plesio = semelhante; morfia = forma) e quais são apomorfias (apo = nova; morfia = forma) de um determinado grupo. O compartilhamento de caracteres derivados, ou seja, de apomorfias, define um grupo monofilético.


Saber quais são os caráteres “primitivos” ou “derivados” é importante para entendermos o sentido que as mudanças evolutivas ocorreram, para isso chamamos de polarização dos caráteres. Antes mesmo das análises filogenéticas serem realizadas, é necessário inferir qual é a ordem em que os estados de um determinado caráter se transformam e, para isso, dois métodos são conhecidos, o direto e o indireto:

  • Método direto – O desenvolvimento dos organismos é considerado um exemplo de método direto, pois com eles seria possível identificar se alguma característica assume uma forma diferente, prévia, antes da forma final observada no grupo;

  • Método indireto – A metodologia mais utilizada, no entanto, é a dos grupos externos. Se quisermos testar se um determinado estado de caráter é novo, portanto, que teria surgido no grupo em que está sendo analisado, usamos um grupo-irmão. Ou seja, comparamos com algum grupo que compartilhe do ancestral em comum imediato e vemos se esse grupo tem ou não a mesma característica, caso não tenha, é um caráter apomórfico.


É importante lembrar que a apomorfia e a plesiomorfia são subjetivas, já que os pesquisadores vão determinar qual o grau hierárquico que vão analisar e, então, dependendo de onde se olhe no clado um estado de caráter pode ser apomórfico, mas se tiver uma abordagem mais ampla isso se torna plesiomórfico.


A grande mudança da sistemática filogenética para as outras escolas foi a utilização de métodos que refletissem a ancestralidade comum entre os organismos, saindo de uma visão baseada puramente no uso de características morfológicas chave, determinadas apenas pela visão de um especialista, e do uso da similaridade geral entre variáveis genéticas e anatômicas. A cladística integrou mais de uma área na busca pelas relações evolutivas entres os seres vivos, de modo que as variáveis que interferem na determinação das relações evolutivas entre organismos, como morfologia, comportamento, fisiologia, embriologia, bioquímica, genética e muitas outras possam contribuir para a proposição de novas hipóteses. Ao longo dos anos mais métodos têm sido incorporados à sistemática e a colaboração entre diferentes áreas na ciência é essencial!


Agora que entendemos um pouco mais como funciona a sistemática, vemos que as filogenias criadas não são um ponto final, mas sim uma forma de enxergar processos evolutivos dentro de um determinado grupo, de estabelecer relações de parentesco, de entender como se deu a distribuição das espécies ao longo do tempo, ou seja, elas são o ponto de partida para muitos outros trabalhos científicos, inclusive determinar os nomes que são aplicados para cada grupo de espécies.


Referências

Brusca, R.C., Moore, W., Shuster, S.M. (2018). Invertebrados. 3ª Edição. Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro.

Duellman, W. E., Marion, A. B., & Hedges, S. B. (2016). Phylogenetics, classification, and biogeography of the treefrogs (Amphibia: Anura: Arboranae). Zootaxa, 4104(1), 1-109.

Gittleman, J. L. (2019). Species. Encyclopaedia Britannica. Disponível em: https://www.britannica.com/science/species-taxon Acesso em 06 de abril de 2020.

Hickman Jr., C.P., Roberts, L.S., Keen, S.L., Eisenhour, D.J., Larson, A. & l’Anson, H. (2016). Princípios integrados de Zoologia. 16ª Edição. Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro.

Mayr, E. (1969). Principles of systematic zoology. Principles of systematic zoology.

Santos, C. M. D. D. (2008). Os dinossauros de Hennig: sobre a importância do monofiletismo para a sistemática biológica. Scientiae Studia, 6(2), 179-200.


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