Texto por: Katarine N. Norbertino
Você sabia que os anfíbios anuros sempre foram classificados enquanto venenosos, mas que poucas espécies são conhecidas por inocular veneno? Uma das principais características destes animais é a forte presença de glândulas no tegumento, que podem ser mucosas (cumprindo com a manutenção da umidade da pele) ou granulosas (que produzem toxinas). Um exemplo de pererecas venenosas, são as pererecas-capacete Corythomantis greeningi, Nyctimantis brunoi (Imagem 1) e N. siemersi (ambas da tribo Lophyohylini, família Hylidae). Embora possam diferenciar sob alguns aspectos estruturais, essas espécies apresentam os mesmos mecanismos para inocular veneno em seus possíveis predadores.
Ao realizarem um estudo sobre a morfologia do crânio e histologia do tegumento dorsal da cabeça de C. greeningi, Jared et al (2005) descobriram que essa espécie possui uma série de espinhos, projeções ósseas, ao longo da margem da maxila até a região nasal (Imagem 2b) e que estavam envolvidas por diversas glândulas granulares (sim, aquelas responsáveis pela produção de toxinas). Outra descoberta interessante dos autores foi com relação ao tegumento da cabeça que se mostrou menos espesso do que nas demais regiões do corpo. Salvo algumas exceções, essa morfologia dos ossos (Imagem 2a) e do tegumento também foi similar à registrada para N. brunoi (Jared et al., 2015) e para N. siemersi (Cajade et al., 2017). Todavia, a presença desses espinhos no crânio não é exclusiva de Lophyohylini, ocorrendo em espécies do gênero Triprion, também da família Hylidae e em Polypedates ranwellai, da família Rhacophoridae.

Imagem 1. Nyctimantis brunoi empoleirada. (Fonte: Thiago Silva-Soares).
Nos dois trabalhos também foram analisados alguns aspectos bioquímicos das toxinas que essas pererecas produzem. A Dose Letal 50 (DL50) é uma grandeza usada para avaliar a quantidade mínima de um composto que pode levar a óbito mais de 50% de indivíduos submetidos à substância. Dessa maneira, C. greeningi possui veneno cuja DL50 é de cerca de 52 µg, superando até mesmo algumas espécies de jararacas, como Bothrops jararacussu, B. leucurus e B. moojeni, cujas DL50 são, respectivamente, 75, 87 e 136 µg. Ainda quanto à toxicidade, o veneno de N. brunoi é registrado como 25 vezes mais potente do que algumas espécies de Bothrops. Já N. siemersi, possui uma toxina que supera o veneno tanto das espécies de jararacas citadasquanto do escorpião Tityus confluens.

Imagem 2. Crânios dos hilídeos. Vista dorsal do crânio completo de Nyctimantis brunoi (a) e ampliação (c); Vista dorsal do crânio completo de Corythomantis greeningi (b) e ampliação (d). (Fonte: Jared et al.; 2015. Adaptado).
Quando perturbada, C. greeningi apresenta o comportamento de mexer a cabeça em variados sentidos na tentativa de esfregá-la em seus possíveis predadores, ocasionando uma lesão com os espinhos e permitindo que o veneno adentre a corrente sanguínea. Ainda, ambas as espécies exibem o comportamento de fragmose, que é o hábito de se acomodar em cavidades e usar a cabeça para bloquear a entrada do tubo e o acesso ao resto do corpo. Essa ação pode estar relacionada tanto ao impedimento de possíveis parasitas e predadores ao animal, quanto à redução da perda d’água (como foi avaliado em N. brunoi). Todavia, a fragmose também ocorre em outras espécies (e famílias), indicando, assim, que evoluiu independentemente em mais de uma linhagem.
Embora sejam altamente tóxicas, tais espécies não representam perigo às pessoas, isso porque mesmo com a ampla distribuição de alguns desses anfíbios não há nenhum caso de morte com relação à espécie humana. Além do mais, diferente das serpentes que apresentam defesa ativa, ou seja, têm o comportamento de atacar, essas pererecas exibem apenas defesa passiva, inoculando seu veneno somente quando manuseada pelo agressor.
REFERÊNCIAS
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